terça-feira, 22 de setembro de 2015

Incunábulos


Qual o primeiro tema a abordar no meu blog? Qual texto? 

Esta dúvida me tomou por tanto tenpo, que criei o blog e ele permaneceu vazio, inativo, a espera de inspiração... difícil, muito difícil... 

Os assuntos são tantos, e eles surgiam, mas me parecia que o primeiro teria que ser especial, e assim várias ideias foram ficando para alguma postagem posterior, pois não me agradavam para a inauguração.


Finalmente, me veio a ideia de compartilhar um pouquinho do meu mestrado, "Catálogo de Incunábulos da Biblioteca Vinária de Juan Carlos Reppucci", defendido em 2009, na História Social (FFLCH-USP), sob a orientação da Profa. Dra. Ana Maria de Almeida Camargo. 


O excerto que se segue faz parte da abertura do trabalho, páginas 10 a 12. 

Espero que gostem!



Os Incunábulos

            Incunábulo é o termo utilizado para designar qualquer manifestação primitiva de arte ou atividade; indica início, começo, berço. Em relação aos livros, emprega-se a mesma terminologia para referir-se aos primeiros livros publicados em um país ou em uma língua; o uso mais comum, porém, refere-se aos primeiros livros impressos. É esta a definição que adotamos neste trabalho: incunábulo é toda obra impressa da origem da imprensa até o dia 1º de janeiro de 1501, independentemente de país ou língua.
            Os incunábulos são os precursores do livro como hoje o conhecemos; representam a evolução da arte da impressão até atingir a sua maturidade, a transição das tradições artísticas e eruditas para métodos mais modernos e profissionais. Os primeiros incunábulos se assemelhavam aos manuscritos: não havia nenhuma informação na primeira folha, os tipos imitavam a caligrafia da época, inclusive nas ligaduras[1] e abreviações.
           Na Alemanha, no final do século XV, é que alguns ateliês ou oficinas, como a de Anton Koberger (Nuremberg), Johann Grüninger (Estrasburgo) e Peter Drach (Espira), começaram a mecanização do processo de impressão, apesar de não se desvincularem totalmente da concepção erudita e artística (característica dos incunábulos). Os demais ateliês estão nesse momento ainda muito atrás, e para eles o período poderia se estender até a Reforma (primeiras décadas do século XVI).
      Na Itália, Veneza, por ser o centro comercial da Europa, teve sua imprensa rapidamente desenvolvida e já se poderia falar no final do período incunábulo em 1480, diferente das demais cidades italianas onde a evolução tipográfica foi mais lenta. Mas com a introdução da tipologia itálica por Aldo Manuzio, em 1501, reafirma-se o surgimento de uma nova era para a arte tipográfica e confirma-se a data de 1500 para o fim dos incunábulos.
            O mesmo acontece na França: em Paris, a evolução da arte de imprimir, embora mais lenta que a de Veneza (meados dos anos 1490), foi muito maior que a de outras cidades. Espanha e Inglaterra não tiveram centros de destaque onde a arte da imprensa se desenvolvesse mais que no âmbito provinciano, como no caso de Veneza ou Paris. Assim, em muitos casos, poder-se-iam considerar incunábulos os livros impressos até 1550, dado o desenvolvimento tardio da tipografia, com a presença de características da imprensa primitiva.
            Pode-se questionar a escolha da data limítrofe, uma vez que o desenvolvimento foi diferente de um país para outro, e mesmo entre as suas cidades, mas o ano de 1500 é hoje aceito por determinar uma data intermediária da evolução da imprensa em diferentes países e ser um limite apropriado para a Alemanha, país de origem da imprensa.
       O interesse pelo estudo dos primeiros livros impressos não é recente: Haebler considera 1640 como o ano do nascimento da incunabilística, quando, por ocasião da comemoração dos duzentos anos da invenção da imprensa, em várias cidades alemãs toma-se a iniciativa de catalogar estas primeiras obras. Em 1643 surge o apêndice de Johann Saubert com 825 incunábulos da Biblioteca de Nuremberg; em 1653 a obra de Philippe Labbé apresenta um suplemento com 1289 incunábulos da Biblioteca Real de Paris e é quando o termo incunábulo é utilizado pela primeira vez associado à imprensa; depois destes trabalhos seguem-se outros repertórios, cada vez com número maior de obras e gradativo avanço nas informações bibliográficas.
            No final do século XVIII e início do XIX os Annales de Panzer[2] (os incunábulos são organizados pela primeira vez por países e local de impressão, ordenados cronologicamente, e com indicação da localização ou da origem da fonte de informação) e o Repertorium de Hain[3] (através da descrição textual detalhada do Incipit e Explicit, e de notas descritivas quanto a formato, tipo de letra, composição etc, fornece pela primeira vez uma identificação indiscutível dos incunábulos que teve em suas mãos) foram revolucionários e ainda hoje são base para o estudo dos incunábulos.
            A partir de Hain, que havia registrado 16.299 obras, diversos catálogos surgiram com enfoque centrado em oficinas tipográficas, cidades, regiões ou acervos específicos; mas são os suplementos de Copinger[4] e Reichling[5] com suas correções e acréscimos significativos à obra de Hain que se tornam essenciais para os incunabilistas, juntamente com as novidades apresentadas pelo Index idealizado por Proctor[6] (o mérito de Proctor não se deu pela sua descrição do acervo, que não foi profunda, mas pelo método desenvolvido, agrupando as obras por lugares e impressores) e pelo Typenrepertorium de Haebler[7] (minucioso estudo dos tipos utilizados nos incunábulos). A lista de obras de referências se estende e não vamos nos prolongar neste tema já que em nosso catálogo muitas delas são citadas e comprovam sua utilidade, mas esta sucinta apresentação histórica da incunabilística nos parece fundamental para mostrar a complexidade do tema que ainda possibilita tantas pesquisas e descobertas. Encerramos estes apontamentos, registrando dois catálogos unificados de extrema importância, a saber:    
            1) Gesamtkatalog der Wiegendrucke (GW): projeto que se iniciou através da criação na Alemanha de uma Comissão em 1904 para inventariar as coleções alemãs, e posteriormente com a participação de outros países para a criação de um repertório unificado dos incunábulos; entre os anos de 1925 e 1940 publicaram-se sete volumes, publicação interrompida com a eclosão da Segunda Grande Guerra; hoje esse projeto dá nome ao banco de dados disponível na internet, oferecendo 36.000 descrições de incunábulos e é um trabalho ainda em andamento.
            2) Incunabula Short-List Catalogue (ISTC): banco de dados também disponível na internet e que vem sendo desenvolvido pela British Library desde 1980, tendo 29.777 edições arroladas até janeiro de 2008. Apesar de não descrever as obras, fornece  referências bibliográficas que possibilitam a identificação complementar do exemplar e localização dos exemplares conhecidos.





[1] As palavras constantes no glossário aparecem em destaque na primeira ocorrência no texto. 
[2] George Wolfgang Franz Panzer. Annales typographici ab artis inventae origine ad annum MD. Norimbergae, J. E. Zeh, 1793-1803. Vol. I-V e suplementos nos vol. IX-XI (os volumes de VI-VIII tratam de obras posteriores a 1501)
[3] Ludwig Hain. Repertorium bibliographicum, in quo libri omnes ab arte typographica inventa usque ad annum MD. Typis expressi ordine alphabetico vel simpliciter enumerantur vel adcuratius recensentur. Stuttgartiae & Lutetiae Parisiorum, 1826-1838.
[4] Walter Arthur Copinger (foi Presidente da Sociedade Bibliográfica de Londres). Supplement to Hain's repertorium bibliographicum or Collections towards a new edition of that work: In two parts. The first containing nearly 7000 corrections of and additions to the collations of works described or mentioned by Hain. The second, a list with numerous collations and bibliographical particulars os nearly 6000 volumes printed in the Fiftheenth Century, not referred to by Hain. London, 1895-1902.
[5] Dietrich Reichling. Appendices ad Hainii-Copingeri repertorium bibliographicum. Additiones et emendationes. Monachii, Sumptibus Iac. Rosenthal Librarii Antiquarii, 1905-1911. 7 vols. Supplementum (Maximan partem e Bibliothecis Helvetiae collectum). Cum Ondice Vrbium et Typographorum. Accedit Index Auctorum Generalis totius operis. Monasterii Guestphalorum, Sumptibus Theissingianis, 1914.
[6] Robert Proctor. An index to the early printed books in the British Museum: from the invention of printing to the year MD. With notes of those in the Bodleian Library. London, Kegan Paul, Trench, Trübner and Company, 1898. 2v.
[7] Konrad Heabler. Typenrepertorium der Wiegendrucke. 

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