terça-feira, 22 de setembro de 2015

Incunábulos II


Depois de publicar o post com o texto dos incunábulos, vi que faltou ilustrar o tema, para poder passar um pouquinho da paixão que o assunto e o objeto me passa. Escolhi os primeiro e o último incunábulo datado do catálogo, por razões óbvia: inicio e fim (apesar de haver exemplares sem data certa que aqui desconsiderei).

Pode-se notar que o primeiro assemelha-se mais a um livro manuscrito medieval que inicia-se diretamente com o texto; já o segundo sua folha de abertura está mais próxima de uma folha de rosto dos livros como conhecemos!

 Ruralia commoda 
= Líber ruralium commodorum libri duodecim.

Autor: CRESCENTIIS, Petrus de (ca.1230 - 1320)
[Augsbourg] : Johann Schüssler, ca. 16 de fevereiro de 1471. 
      


Reprodução da abertura do texto (f. 1r)



Le proprietaire des choses tresvtile et prouffitables aux corps humains... 
= De proprietatibus rerum

Autor: BARTHOLOMAEUS, Anglicus (séc. XIII)
Lyon: [Claude Davost para] Jehan Dyamantier, 17 de abril 1500 [1501?]. 


Detalhe da encadernação em perfeiro estado de conservação

Página de abertura da obra (f. 1r)

Página inicial do texto: "O primeiro capitulo que é de Deus"


Incunábulos


Qual o primeiro tema a abordar no meu blog? Qual texto? 

Esta dúvida me tomou por tanto tenpo, que criei o blog e ele permaneceu vazio, inativo, a espera de inspiração... difícil, muito difícil... 

Os assuntos são tantos, e eles surgiam, mas me parecia que o primeiro teria que ser especial, e assim várias ideias foram ficando para alguma postagem posterior, pois não me agradavam para a inauguração.


Finalmente, me veio a ideia de compartilhar um pouquinho do meu mestrado, "Catálogo de Incunábulos da Biblioteca Vinária de Juan Carlos Reppucci", defendido em 2009, na História Social (FFLCH-USP), sob a orientação da Profa. Dra. Ana Maria de Almeida Camargo. 


O excerto que se segue faz parte da abertura do trabalho, páginas 10 a 12. 

Espero que gostem!



Os Incunábulos

            Incunábulo é o termo utilizado para designar qualquer manifestação primitiva de arte ou atividade; indica início, começo, berço. Em relação aos livros, emprega-se a mesma terminologia para referir-se aos primeiros livros publicados em um país ou em uma língua; o uso mais comum, porém, refere-se aos primeiros livros impressos. É esta a definição que adotamos neste trabalho: incunábulo é toda obra impressa da origem da imprensa até o dia 1º de janeiro de 1501, independentemente de país ou língua.
            Os incunábulos são os precursores do livro como hoje o conhecemos; representam a evolução da arte da impressão até atingir a sua maturidade, a transição das tradições artísticas e eruditas para métodos mais modernos e profissionais. Os primeiros incunábulos se assemelhavam aos manuscritos: não havia nenhuma informação na primeira folha, os tipos imitavam a caligrafia da época, inclusive nas ligaduras[1] e abreviações.
           Na Alemanha, no final do século XV, é que alguns ateliês ou oficinas, como a de Anton Koberger (Nuremberg), Johann Grüninger (Estrasburgo) e Peter Drach (Espira), começaram a mecanização do processo de impressão, apesar de não se desvincularem totalmente da concepção erudita e artística (característica dos incunábulos). Os demais ateliês estão nesse momento ainda muito atrás, e para eles o período poderia se estender até a Reforma (primeiras décadas do século XVI).
      Na Itália, Veneza, por ser o centro comercial da Europa, teve sua imprensa rapidamente desenvolvida e já se poderia falar no final do período incunábulo em 1480, diferente das demais cidades italianas onde a evolução tipográfica foi mais lenta. Mas com a introdução da tipologia itálica por Aldo Manuzio, em 1501, reafirma-se o surgimento de uma nova era para a arte tipográfica e confirma-se a data de 1500 para o fim dos incunábulos.
            O mesmo acontece na França: em Paris, a evolução da arte de imprimir, embora mais lenta que a de Veneza (meados dos anos 1490), foi muito maior que a de outras cidades. Espanha e Inglaterra não tiveram centros de destaque onde a arte da imprensa se desenvolvesse mais que no âmbito provinciano, como no caso de Veneza ou Paris. Assim, em muitos casos, poder-se-iam considerar incunábulos os livros impressos até 1550, dado o desenvolvimento tardio da tipografia, com a presença de características da imprensa primitiva.
            Pode-se questionar a escolha da data limítrofe, uma vez que o desenvolvimento foi diferente de um país para outro, e mesmo entre as suas cidades, mas o ano de 1500 é hoje aceito por determinar uma data intermediária da evolução da imprensa em diferentes países e ser um limite apropriado para a Alemanha, país de origem da imprensa.
       O interesse pelo estudo dos primeiros livros impressos não é recente: Haebler considera 1640 como o ano do nascimento da incunabilística, quando, por ocasião da comemoração dos duzentos anos da invenção da imprensa, em várias cidades alemãs toma-se a iniciativa de catalogar estas primeiras obras. Em 1643 surge o apêndice de Johann Saubert com 825 incunábulos da Biblioteca de Nuremberg; em 1653 a obra de Philippe Labbé apresenta um suplemento com 1289 incunábulos da Biblioteca Real de Paris e é quando o termo incunábulo é utilizado pela primeira vez associado à imprensa; depois destes trabalhos seguem-se outros repertórios, cada vez com número maior de obras e gradativo avanço nas informações bibliográficas.
            No final do século XVIII e início do XIX os Annales de Panzer[2] (os incunábulos são organizados pela primeira vez por países e local de impressão, ordenados cronologicamente, e com indicação da localização ou da origem da fonte de informação) e o Repertorium de Hain[3] (através da descrição textual detalhada do Incipit e Explicit, e de notas descritivas quanto a formato, tipo de letra, composição etc, fornece pela primeira vez uma identificação indiscutível dos incunábulos que teve em suas mãos) foram revolucionários e ainda hoje são base para o estudo dos incunábulos.
            A partir de Hain, que havia registrado 16.299 obras, diversos catálogos surgiram com enfoque centrado em oficinas tipográficas, cidades, regiões ou acervos específicos; mas são os suplementos de Copinger[4] e Reichling[5] com suas correções e acréscimos significativos à obra de Hain que se tornam essenciais para os incunabilistas, juntamente com as novidades apresentadas pelo Index idealizado por Proctor[6] (o mérito de Proctor não se deu pela sua descrição do acervo, que não foi profunda, mas pelo método desenvolvido, agrupando as obras por lugares e impressores) e pelo Typenrepertorium de Haebler[7] (minucioso estudo dos tipos utilizados nos incunábulos). A lista de obras de referências se estende e não vamos nos prolongar neste tema já que em nosso catálogo muitas delas são citadas e comprovam sua utilidade, mas esta sucinta apresentação histórica da incunabilística nos parece fundamental para mostrar a complexidade do tema que ainda possibilita tantas pesquisas e descobertas. Encerramos estes apontamentos, registrando dois catálogos unificados de extrema importância, a saber:    
            1) Gesamtkatalog der Wiegendrucke (GW): projeto que se iniciou através da criação na Alemanha de uma Comissão em 1904 para inventariar as coleções alemãs, e posteriormente com a participação de outros países para a criação de um repertório unificado dos incunábulos; entre os anos de 1925 e 1940 publicaram-se sete volumes, publicação interrompida com a eclosão da Segunda Grande Guerra; hoje esse projeto dá nome ao banco de dados disponível na internet, oferecendo 36.000 descrições de incunábulos e é um trabalho ainda em andamento.
            2) Incunabula Short-List Catalogue (ISTC): banco de dados também disponível na internet e que vem sendo desenvolvido pela British Library desde 1980, tendo 29.777 edições arroladas até janeiro de 2008. Apesar de não descrever as obras, fornece  referências bibliográficas que possibilitam a identificação complementar do exemplar e localização dos exemplares conhecidos.





[1] As palavras constantes no glossário aparecem em destaque na primeira ocorrência no texto. 
[2] George Wolfgang Franz Panzer. Annales typographici ab artis inventae origine ad annum MD. Norimbergae, J. E. Zeh, 1793-1803. Vol. I-V e suplementos nos vol. IX-XI (os volumes de VI-VIII tratam de obras posteriores a 1501)
[3] Ludwig Hain. Repertorium bibliographicum, in quo libri omnes ab arte typographica inventa usque ad annum MD. Typis expressi ordine alphabetico vel simpliciter enumerantur vel adcuratius recensentur. Stuttgartiae & Lutetiae Parisiorum, 1826-1838.
[4] Walter Arthur Copinger (foi Presidente da Sociedade Bibliográfica de Londres). Supplement to Hain's repertorium bibliographicum or Collections towards a new edition of that work: In two parts. The first containing nearly 7000 corrections of and additions to the collations of works described or mentioned by Hain. The second, a list with numerous collations and bibliographical particulars os nearly 6000 volumes printed in the Fiftheenth Century, not referred to by Hain. London, 1895-1902.
[5] Dietrich Reichling. Appendices ad Hainii-Copingeri repertorium bibliographicum. Additiones et emendationes. Monachii, Sumptibus Iac. Rosenthal Librarii Antiquarii, 1905-1911. 7 vols. Supplementum (Maximan partem e Bibliothecis Helvetiae collectum). Cum Ondice Vrbium et Typographorum. Accedit Index Auctorum Generalis totius operis. Monasterii Guestphalorum, Sumptibus Theissingianis, 1914.
[6] Robert Proctor. An index to the early printed books in the British Museum: from the invention of printing to the year MD. With notes of those in the Bodleian Library. London, Kegan Paul, Trench, Trübner and Company, 1898. 2v.
[7] Konrad Heabler. Typenrepertorium der Wiegendrucke. 

Apresentação

Quero aproveitar a oportunidade ao criar este blog para divulgar meus trabalhos, meu site (www.alemdolivro.com.br), e ao mesmo tempo abrir um espaço para conversar sobre encadernação, conservação e restauração de livros, história do livro e artes afins.

Uma proposta um pouco ambiciosa, que nem sei se conseguirei chegar perto, mas não custa tentar!

Quero falar aqui sobre livros e seus inúmeros desdobramentos, tanto para aquelas pessoas que são apenas seus amantes (como se isso fosse pouco nos dias de hoje!!!), como para os que os amam, mas também vivem em função deles.

A todos bem vindos ao meu blog!!!